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quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Non sense, sua vida parecia filme.

Non sense, sua vida parecia filme. Por mais que tentasse ignorar, o estranho sempre lhe ocorria. Inevitável. Apenas um convite para ser feito ali, no trânsito comum de algumas ruas. A conversa deveria ser rápida. Deveria, mas o amigo atravessou uma esquina pelo meio do assunto. Empacou.

– É com ésse.

– Hã?

– Casa.

– Isso, lá em caza.

– Tá errado.

– Oi?

– Você disse caza.

– Então, é isso mesmo. Lá em caza, sábado. Tá dormindo, pô?

– Cara, que coisa horrível.

– Tô convidando só os mais chegados.

– Não é isso. Presta atenção: você está falando casa com zê.

– Como é que é?

– Com ésse.

– Não. O que você disse?

– Que você está falando casa com zê.

São apenas alguns segundos para que ele desista de entender.

– Tá. Aparece lá, então. Meio dia e meia, uma hora.

– Você entendeu?

– Entendi.

– Entendeu nada.

– Depois você me explica melhor. Tô com um pouco de pressa.

Tenta se afastar, mas o amigo lhe segura pelo braço.

– Eu não vou deixar você sair por aí falando desse jeito, as pessoas vão rir da sua cara.

– O que você quer, hein?

– Fica tranqüilo, eu vou lhe ajudar.

– Pára com isso, cara. Preciso ir, tô atrazado.

– Não piora as coisas. Atrasado também é com ésse.

– Isso é ridículo!

– Eu sei, mas você pode superar, não precisa ter vergonha.

– Me solta!

– Repete comigo: cê-a-ésse-a.

– Que você quer, hein? Eu sei como se escreve caza.

– Então fala direito.

– Eu estou falando direito.

– Não, não está.

– Claro que estou.

– Não está.

– Isso não faz a menor diferença.

– Como não?

– O fonema não é o mesmo?

– Mas a letra não é.

– E daí?

– Daí que casa com zê é errado. Não existe.

– Mas eu não disse que caza é com zê. Eu só falei caza. E eu sei que é com ésse.

– Não é o que a legenda está dizendo.

– O quê?!

– A tradução da sua fala.

– Eu sei o que significa legenda. Não é isso o que eu tô dizendo. Dane-se a legenda.

– Calma. Não adianta ir contra os fatos.

– Fatos?

– Contra o que está escrito.

– Mas agente não está escrevendo, agente está conversando.

– Agente, não.

– Ah, não?

– Não. Quem está conversando é a, espaço, gente. A gente, junto, é como se fosse James Bond. Agente secreto. Sacou?

– Saquei. E por que você não vai à eme-erre-e-de-a?

– Só estou querendo ajudar.

– Faz o seguinte, vai ajudar o tradutor e vê se esquece o convite, porque com ésse ou com zê, eu não quero você lá em caza. Entendeu? Aliás, eu nem sei pra que legenda se agent...

– Nós.

– Que seja. Estamos falando português, não estamos?

– Vem cá. Sente-se aqui. Ei, cara, eu não sei o que você tem feito da sua vida, nem que tipo de problema você está enfrentando. Só preciso que repare bem em meus lábios e preste atenção naquilo que estou falando. Nós não gostamos de fado, não achamos que navegar é preciso e essa conversa não é fruto da última flor do Lácio. Compreende?

– Que porcaria é essa? O que tá acontecendo com a sua boca?

– Dublagem, meu caro. Nós estamos sendo dublados.

– Quer dizer que não estamos falando português?

– Exatamente. Mas isso não é motivo para ficar apavorado. Tente ver as coisas pelo lado bom. Talvez estejamos indo a novos lugares, nos conectando a outros povos e diferentes culturas. Podemos estar superando os limites de nossas fronteiras.

– Peraí, isso é um filme?

– Não seja idiota ¬– estala uma bofetada na cara do amigo, depois outra e outra. – Isso parece um filme? Parece? O que você acha?

– Ei, pára com isso! Eu já entendi. Já entendi, pô.

– Desculpa, é que eu não suporto parábolas.

– Tudo bem. Mas, me diga uma coisa, ainda somos brazileiros, não somos? – O silêncio é apunhalado por uma profunda respiração. ¬– O que foi?

– Você se sente brasileiro? Gosta do Brasil?

Desconfortável e silenciosa afirmação do amigo.

– Então, antes de qualquer coisa, fique sabendo que Brasil também é com ésse.

– Ora, por favor.

– Agora me diga uma coisa: a sua festa.

– O que tem?

– Vai ter samba?

– Não.

– E se eu te pergunto uma cor?

– Azul.

– Uma suposição: seu filho nasceu. Um nome. Diego ou Edson?

O silêncio apunhala a respiração.

– Merda.

– É isso ai, meu caro.

– E agora?

– Nessas horas, só há uma coisa a fazer.

A música inunda a cena. Não sabemos de onde ela vem. Parece até filme. E eles dançam um tango argentino.

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