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quinta-feira, 21 de junho de 2012

Ritmo

Pesquisa faz mapa pelo pesquisador, procura-se pelo avesso - um espelho menos frio que o tradicional. Tato de vísceras, tudo aflora de dentro pra fora até que o traço se enovele no estômago. Bem servido de entendimento o homem dorme, sonha, ronca, folga de seu próprio conhecimento, distrai. Mas ainda é ritmo abrir os olhos, espichar corpo, bocejo, sempre ritmo: a escova no dente, a colherinha acelerando turbilhão no cafezinho. Alimentado o corpo tende às escaras, prega ponto em final de pensamento. Pela palavra, um pedaço de carne lançado no mundo, volta-se ao corpóreo aprendizado: saber é contato. No flap-flap das folhas Aurélio enumera, cadencia: movimento ou ruído que se repete no tempo a intervalos regulares, alternados, sucessão periódica e regular de fases ou variações no curso de algum processo, repetição, fisiologia, música, ordenamento de sons percebido ou considerado segundo as diferenças de acentuação e de duração de cada um deles, qualquer padrão desse ordenamento característico de um tipo ou gênero de música. Ponto. Conhecimento pautado, humano gosta de exemplo, apontar resposta em corpo alheio: como vaivém do pêndulo, as ondas na praia e etecétera sempre comprimida pra carregar infinito. Vibrar essa ideia na garganta, o corpo um instrumento, palavra outro. União daquelas que ressoa infinito, repetindo. Infinitivo é ar, primeira conjugação. Quem respira sabe: ritmo é sangue, fluxo. Coração apenas tum-tum. Osso com osso articula, junta sem limo range, movimento estala, cachorro cava-esconde no quintal, cada rói em seu lugar. Músculo alongado desarticula, tira água de joelho, chora por cotovelo, rouba erres do erro e o que não era pode ser, reconstrói, deslancha o impossível. Frase precisa ginga pra fazer valer poema, é assim, está pelo pêlo, corpo mais corpo sabe tudo de balanço, encontro de poro com poro apura ritmo, tudo muito à flor da pele, e, pelo que se sabe, vai-e-vem vai bem pra ensinar. Isso é isso. O resto é roto, lençol amassado. Arrumadeira encruada diz nojo, mas goza pelo nariz. E máquina de lavar bate-bate o aprendizado pra quem só entende as coisas limpas: sexo é a anatomia do ritmo.

terça-feira, 15 de maio de 2012

Pedalar no frio pelas ruas vazias e molhadas, compondo poemas sem pecado, que vovó acharia sem-vergonhice, é coisa que faz a vida valer a pena. Desculpe, Amor, pelos pensamentos delicadamente salientes, mas não sei me fazer poeta sem corpocarne.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

história pra dois

Vou contar uma história que pode ser nossa. Nós vamos caminhar e será amanhã. À noite, porque o ar é mais agradável e o vento inspira silêncios mais cheios. Vamos andar sem palavras, sem procurar respostas, ou perguntas. Podemos parar sob um pé de árvore e fazer coisas sem querer, compartilhando pequenos descuidos. Sem comprometer qualquer caminho, vamos caminhar sem pressa, quer as palavras apareçam ou não. Depois podemos tomar um sorvete. O sabor importa menos que o gosto inventado de nossos sorrisos. Aí, mesmo se dissermos nada, irá sobrar um monte de passos e, quem sabe, alguns espaços. Olharemos para estes e teremos a certeza que não estiveram vazios. Nossa conversa acontece assim. De tudo o que não falamos, nos lembraremos somente depois. Mas, será assunto pra facebook. Então combinaremos outro encontro descabido, sem pressa. Uma história por vez é o que basta para tudo acontecer ao mesmo tempo, sem fim.

domingo, 1 de abril de 2012

Dia da mentira

Não é mentira que sou um cara difícil, daqueles que pensam e se dedicam meticulosamente para que as coisas aconteçam da maneira certa, planejada. Daqueles que cuidam atentamente para não colocar a carroça na frente dos bois. Pois é, mas, de repente, você dá com os burros n’água e é premiado pela própria incompetência. Existem acertos que escapam aos cálculos e alguns fracassos nos recompensam com inegáveis maravilhas. Eu me esforço, tento usar toda inteligência possível em cada coisa que faço. É verdade, toda essa razão é maneira de organizar os sonhos. E todos esses sonhos estão repletos de um afeto difícil de explicar. O caso é que você esquece isso, porque esquenta a cabeça olhando demais para o outro lado, ou tentando prever os próximos passos. No entanto, não tem lado nessa história. Não dá pra imaginar tudo em compartimentos separados. Você faz isso e depois se sente sozinho, achando que algo ficou incompleto. Sai de casa com aquela estranha sensação de que esqueceu alguma coisa, mas não sabe o que. Segue adiante achando que a qualquer momento irá se lembrar. A vida está mais para balaio que armário. Ou tudo está junto, ou não é nada. Não faz o menor sentido dividir as coisas, ou ordenar prioridades. Misturar vida pessoal e trabalho é uma virtude. Quem não faz isso, é porque não faz o que gosta. Dessa assepsia não sofro. Talvez por isso, apesar de um insistente domínio da razão, o amor transbordava e vinha tecendo um rio de coisas no caminho. Eu não planejei fazer amigos, nem receber algum carinho. Impossível prever esses sorrisos que desprendem, num estalo, por uma bobagem qualquer. Não poderia inventar nada disso. Mas, tudo veio junto e está acontecendo. Não é fácil admitir, mas, depois de tanto tempo, a razão saiu perdendo e estou tremendamente feliz com isso. Capaz até de sonhar com uma felicidade tão simples quanto comer um pastel.

quinta-feira, 22 de março de 2012

Depois de abandonada a infância, é sempre mais difícil recomeçar. Os nossos erros estão criados e já não sabemos fascinar diante dos velhos medos. O pavor constrange e reprime. Chorar é fácil, porque fazemos escondido. Difícil é continuar no mundo feito um algo desatado do destino. Antes ter pedras para contornar.