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domingo, 3 de janeiro de 2010

Domingo morto

No dia claro, de uma brancura sem sol, abertos os meus olhos ardem diante do horizonte vasto. Manhã de domingo, irrompe da boca um bocejo. O café ainda não veio, reclama o estômago. Engulo para ele o cansaço da semana. Sento-me ao pé da árvore de pequenas sementes que colorem o chão — e tive preguiça de pesquisar o nome — para aproveitar a sombra e ouvir a natureza falar das coisas passadas ou dos planos de amanhã. Mas ela não fala e, se acaso o fizesse, não seria mais do que devaneio de poeta.

A natureza simplesmente existe — pelo menos nos fins de semana quando temos tempo de olhá-la e nos apercebermos dela com um certo ressentimento de sabê-la ali: companheira ignorada. Distraídos em nosso suor cotidiano, nós, assassinos diários de sua beleza, sequer prestamos um mimo como se fazem com os moribundos queridos. Mas tudo é domingo, nada é dito ou pensado. Na televisão, nos botequins, nas padarias, no morno âmbito familiar, o burburinho é apenas uma forma do som existir: tolo, pacato, sem propósito. É o som se fazendo som, cansado como o resto do domingo e da minha crônica, que é um resto de mim se arrastando.

Eu, cronista de inércias, vejo apenas o movimento nas folhas das árvores, a areia me pegar na perna, o vento correndo paralelo ao horizonte, encrespando a água morta, fingindo-lhe movimento como os vermes fingem existir vida na carne putrefata. Mas tudo não passa de podridão.

Domingo: é o movimento que se movimenta no movimento das coisas, não elas. É o cronista parafraseando o poeta. É a vida correndo disfarçada, escondida, submersa como os peixes que sobrevivem na escuridão dolorosa das águas da Lagoa de Araruama.

*croniquinha de juventude, presente no livreto artesanal "Crônicas de Outono e outras folhas" que confeccionei para distribuição em evento literário aqui no feudo de Araruama pelos idos de 2006/2007, por aí. Confira a imagem da capa e contracapa:
 

3 comentários:

  1. Grande Alexandre, se esta é uma "croniquinha da juventude" você foi um excelente jovem...rs
    Não digo que é uma pena que tenha envelhecido, porque sei que tem superado aquele jovem.
    Um super ano pra você,
    alaor

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  2. "...sequer prestamos um mimo..." se assim o fizéssemos, os domingos, com certeza, seriam mais interessantes.

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  3. Se minha juventude se seguir tão sábia e criativa como a sua, poderei orgulhar-me de meus textos. Brilhante como sempre!!!

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