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sábado, 4 de setembro de 2010

Os burros

Que me perdoem os animais, burros por natureza, mas seu nome caiu tão bem como metáfora a determinados tipos de homem que agora são eles, os burros, que pagam o pato pela estupidez humana. Coisa típica de nossa espécie simbolizante andar por aí impondo a outras os seus intrínsecos defeitos e insignificâncias. Basta, porém, um breve olhar para percebermos que, dos burros, o que menos merece a fama, no sentido metafórico do termo, sem dúvida é aquele que a natureza concebeu por si própria e que nós, tomados por algum instinto de aproximação, ou priápica inveja, nomeamos burros.
Não é difícil identificar variantes e variedades presentes no gênero. Tanto há burros que sabem que o são e pretendem levar vantagem com isso, como existem aqueles que não desconfiam que sejam e levam uma vida bastante espontânea e feliz. Estes não fazem nada por mal, mas também coisa nenhuma por bem. Agradecem o peso e o chicote porque pensam, e aceitam, que assim é a vida e a ordem natural das coisas – e, talvez, não mereçam mesmo que seja o contrário. Das muitas assertivas, uma é indispensável: dos burros, o de maior orelha é sempre aquele que menos escuta. Os mais perigosos são os enrustidos, aqueles que se fazem passar por inteligentes e arrastam os de menor orelha que, por ouvir, mas não ter discernimento, possuem grande vocação para o cabresto. É também notório que burros famosos exercem enorme fascinação sobre seus pares anônimos.

Catalogações à parte, é interessante observar certas propriedades fonéticas do vocábulo que parecem contribuir, e muito, para o sucesso da alcunha atirada aos tolos. A palavra burro, reparem, é dotada de uma espécie de aerodinâmica explosiva: o tamanho reduzido, a concisão das sílabas, a consoante bilabial do início, os erres rosnando no meio, a vogal geralmente corrompida ao final. Tudo isso favorece o seu apreciável uso. É uma palavra feita para o ataque. O que podemos chamar de um termo curto e grosso. Bom para dar patadas. Quem experimentou sabe. Quem não o fez, que o faça. E sem essa de dizer que existem burros e burros. Quanto a isso não é preciso cautela, quando alguém é chamado por burro certamente fez por merecer. Não se iluda, não existem burros ingênuos. Ingenuidade e burrice são coisas completamente diferentes. Nenhum pecado em chamar um burro de burro. Pode tentar. Com certeza muitos ficarão satisfeitos em serem reconhecidos.

Agora, se você não conhece ninguém a sua volta que, nem mesmo por um instante que seja, possa ser chamado de burro, então, ou você vive no melhor dos mundos, ou o burro a sua volta é você mesmo. Não se desanime, ainda assim vale experimentar. Vá até o espelho, encha os pulmões, espume pela boca, solte a invectiva.

E quem nunca cometeu uma burrice que atire o primeiro coice, ou por ele será atirado.

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